Durante um bate-papo no Teatro Escola Macunaíma, a teatróloga e pesquisadora, Elena Vássina, contou histórias e trouxe reflexões sobre o russo que criou uma base teórica para o teatro.

O teatro testemunhado nos dias de hoje deve-se ao nascimento de um dos grandes gênios da história no século 19, em 1863. O russo Constantin Stanislavski é responsável pela elaboração de um sistema de atuação que transformou completamente a arte teatral.

Ator desde criança e incentivado pelo pai, que construiu um teatro onde diversos artistas se reuniam, Stanislavski sempre foi um apaixonado pelo assunto. Já na infância, passou a ter percepções sobre si mesmo nos palcos que, futuramente, o levariam a procurar métodos de inspiração para melhorar suas performances.

No entanto, foi apenas a partir de 1897, aos 34 anos, que suas técnicas inovadoras começaram a se consolidar. Em uma conversa de dezoito horas com o escritor Vladímir Niemiróvitch-Dântchenco, ambos decidiram criar o Teatro Arte de Moscou, que tinha como objetivo trazer novas propostas às encenações, atuações, direções e plateias da arte dramática.

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Assim, Stanislavski deu origem ao seu aclamado “sistema”, que possibilitou novas linguagens teatrais e descobertas sobre as leis da natureza criativa dos atores. Inspirado em conceitos da yoga, ele acreditava na importância da irradiação, meditação e da conexão energética com a plateia para alcançar a totalidade de um papel.

 

Teatro e espiritualidade: um registro

Stanislavski decidiu, então, registrar essas teorias. Ao mesmo tempo, o regime stalinista no qual a Rússia se encontrava, rejeitava quaisquer ideias relacionadas a espiritualidade, o que causou a censura de diversas de suas obras.

Essa é uma das razões que sustentam as discordâncias atuais sobre o sistema de Stanislavski. Além disso, os direitos autorais de seus últimos três livros foram dados a uma editora americana, alterando também a compreensão geral de seus conceitos.

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Durante um bate-papo no Teatro Escola Macunaíma em outubro, a teatróloga e pesquisadora, Elena Vássina, esclareceu os mitos sobre o gênio russo.

 

Mito 1: Stanislavski naturalista

Na segunda metade do século 19, surgiu o naturalismo francês, movimento que repercutiu em diferentes facetas da arte. Uma delas foi no teatro, a qual se definiu por uma corrente de atuação e estética vanguardista.

“Todos queriam ser naturalistas. E Stanislavski seguiu essa tendência, mas, em geral, se estudarmos a criação de Stanislavski, nós vamos ver que foram poucos, muito poucos espetáculos naturalistas”, explica Elena.

De acordo com a pesquisadora, suas obras se aproximavam mais do simbolismo. Precursor do teatro simbolista na Rússia e na Europa, criou a peça “O Ganso” em 1907, na qual fez descobertas técnicas como o teatro de sombra e outros procedimentos que criaram símbolos abrangentes utilizados ainda hoje.

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Mito 2: Teatro psicológico

“O sistema tinha diversas etapas. A primeira etapa, em 1910, havia um foco no psicologismo, na criação da psicologia do personagem”, conta a teatróloga.

A partir disso, muitos passaram a acreditar que o sistema serve apenas para o teatro psicológico. Mas, na verdade, seus estudos abordaram outros temas.

“Em 1935, quando Stanislavski abre seu último estudo de arte dramática, ele introduz no sistema o assim chamado ‘método das ações físicas’; ou ‘método dos ensaios’; ou ‘ensaios por meio de improvisações’, um método que já não tem nada a ver com psicologia”, exemplifica.

As ações físicas não são apenas os movimentos em si que acontecem no palco, mas aqueles que são realizados para atingir um objetivo.

 

Mito 3: Sistema Stanislavski não é invenção filosófica

Diferentes de outros métodos de atuação, o sistema de Stanislavski não é uma invenção filosófica. Suas descobertas sobre as leis da natureza criativa do ator se deram de forma natural, enquanto ele estudava a si mesmo.

Por meio de suas autoanálises, chegou à conclusão de que o ser humano nunca é o mesmo. A cada dia, há novos contextos e novas emoções que o transformam. Portanto, é importante que os atores não repitam a mesma interpretação a cada espetáculo, baseando-se em novas inspirações.

“O sistema é um guia, é um livro de referência e não uma filosofia. Assim que começa a filosofia, o sistema termina. Não existe sistema nenhum. Existe a natureza”, justifica Elena, que é autora de múltiplos ensaios e livros dedicados à análise da literatura e teatro russos.

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Mito 4: O fim do sistema

Em 1938, aos 75 anos, Stanislavski morreu em decorrência de um ataque cardíaco – que havia ocorrido antes e o impossibilitou de atuar. Sua morte, no entanto, não significou o fim de seu sistema.  “A gente não pode dizer ‘ele faleceu, o sistema já foi’”, diz. “Pelo contrário. O sistema é work in progress, está sendo desenvolvido até hoje”.

Além de Stanislavski ainda ser inspiração para grandes mestres do teatro e cinema, o fato de que suas ideias surgem de maneira natural em cima do palco e estão diretamente ligadas a criatividade dos atores, viabiliza o constante progresso de seu trabalho.

O Teatro Escola Macunaíma, ou Macu, é um exemplo de incentivo ao desenvolvimento e estudo das teorias elaboradas pelo ator, diretor e escritor russo. Foi a primeira instituição de teatro no Brasil a se basear no sistema Stanislavski, passando a investir na formação de seus professores, enviando-os para a Rússia, e dando importância à força criativa.

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