Elena Vássina esteve, mais uma vez, com a equipe do Macunaíma na nossa Semana de Planejamento, partilhando seu olhar como pesquisadora sobre o nosso tema de investigação do semestre: O Desejo Pela Vida – Olhar – Inspirar – Encantar – Caminhar. Uma grande mestra e uma inspiração para nós, professores, coordenação e direção da escola, ela é professora do Curso LETRA da Universidade de São Paulo (USP) e, sem dúvida, uma das mais importantes pesquisadoras de Stanislávski e de seu Sistema. Em sua conversa, ela falou sobre a Verdade, segundo o mestre russo.

A princípio, nesse encontro, realizado de forma remota no dia 28 de junho, Elena Vássina falou sobre os estímulos da criação em teatro da perspectiva do mestre russo. Desse modo, começou citando o próprio Stanislávski, para quem “A criação deve conter alegria. Em que se encontra alegria? Antes de tudo, a alegria está na Verdade. Tenho a convicção de que meu caminho é único, mas, justamente por ser verdadeiro, ele é muito longo.”

Como, segundo Stanislávski, a “alegria está na Verdade”, Elena Vássina construiu um caminho reflexivo para a compreensão da ideia de Verdade para ele. Assim, apontou as especificidades do contexto russo a partir da chamada Era de Prata, que se estendeu do final do século XIX ao início do século XX.

A Era de Prata significou, para as artes, o rompimento com a estética de inspiração realista e o florescer das experimentações de caráter simbolista. Dessa maneira, não por acaso, os experimentos simbolistas de Stanislávski são todos desse período. Além disso, outra característica interessante sobre a Era de Prata é que ela inclui artistas e pensadores muito diversos entre si, muitos dos quais passaram a formar e a informar a concepção de Verdade de Stanislávski.

Referências do mestre russo

A Era de Prata russa também se define como um momento muito importante para certas transformações estéticas e filosóficas. A saber, uma de suas marcar é a busca espiritual e sua aproximação com a filosofia, o que se reflete na literatura, na música, no teatro etc. No que diz respeito a Stanislávski, é nesse período que ele começou a desenvolver o seu Sistema.

Nesse mesmo sentido, outras referências da busca espiritual da época de Stanislávski, segundo Vássina, foram a Teosofia de Elena Blavátskaya e sua conexão com a espiritualidade indiana, bem como a Antroposofia de Rudolf Steiner. Além disso, Stanislávski foi influenciado por Vladímir Solovióv, filósofo místico da Igreja Ortodoxa, e Nikolai Reorikh, fundador da Agni Yoga. Ademais, entre outros citados pela pesquisadora, cabe destacar Tolstói, cujo despertar foi gerado por uma busca profunda da espiritualidade oriental.

Acrescenta-se ainda que, para a comunidade filosófica russa, não há religião superior à Verdade. E há que considerar que, nesse contexto, existem duas concepções ou raízes para o mesmo termo. Assim, a verdade contrária à mentira, e a Verdade, com “v” maiúsculo, divina, espiritual. Stanislávski, aos 26 anos, escreve em seu diário, que “a principal tarefa do ator é encontrar o caminho correto, o caminho mais próximo à verdade e à vida; é necessário saber o que é verdade e o que é vida; é preciso se desenvolver”.  

Alegria e Verdade

Desse modo, Elena Vássina deixa ver que Stanislávski não buscava a verdade da vida cotidiana, mas a Verdade para o desenvolvimento do ator, para o desenvolvimento da consciência do ator como ser humano. Sendo assim, é a descoberta e a percepção dessa Verdade (superior) que está relacionada à alegria. Ou seja, à evolução espiritual para que o ator ou a atriz chegue à inspiração e, assim, à alegria.

“Por isso, o Sistema é uma cultura que se dirige não apenas ao aprimoramento do profissional de teatro, mas do ser humano. E mais, ao infinito aprimoramento do ser humano que se dedica à arte; ao conhecimento do outro, como de si mesmo. Logo, fazem parte do Sistema a autoeducação e a autopercepção, que levam ao despertar da sensibilidade. E a sensibilidade está na forma como nos relacionamos com a vida, a natureza e o mundo”.

Já que, para Stanislávski, a essência da arte é a vida, terminamos com uma citação inspiradora de Tolstói, para quem: “A essência da vida é alegria. A essência de vida, seu objetivo é alegria. Regozije-se com céu, sol, estrelas, capim, árvores, animais e seres humanos. E vigie para que esta alegria não seja perturbada. Se for perturbada, isso significa que você errou em algo. Procure a alegria ao se corrigir.”

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