Por José Sergio Fonseca de Carvalho

Primeiramente, entre os dias 27 e 29 de julho, toda a equipe do Macunaíma, professores, coordenação e direção, esteve reunida se preparando para o novo semestre letivo. Esses encontros são conhecidos como Semana de Planejamento, ocasião para se projetar o recomeço das atividades escolares. Dessa maneira, no caso do Macu, este é também um momento de cuidado, celebração e de dedicação coletiva à pesquisa do Sistema Stanislávski.

Pautadas pelo tema de investigação deste semestre – O Desejo Pela Vida –, destacamos, entre as atividades realizadas, uma das palestras, sem dúvida inspiradora para artistas e educadores. Intitulada “Cuidado da Vida, do Mundo e das Relações”, ela foi proferida pelo grande mestre José Sergio Fonseca de Carvalho. Professor de Filosofia da Educação na Universidade de São Paulo, ele é autor do livro Educação, uma Herança Sem Testamento: Diálogos com o Pensamento de Hannah Arendt, que aborda as ideias de Arendt sobre educação, liberdade e democracia.

Hannah Arendt foi filósofa, teórica política e além disso uma das mais influentes pensadoras do século XX. Judia nascida na Alemanha, ela vivenciou os horrores da perseguição nazista, o que motivou a sua pesquisa sobre o fenômeno do totalitarismo. Algumas de suas principais obras são: As Origens do Totalitarismo, Entre o Passado e o Futuro e A Condição Humana. Neste último título especificamente, a autora busca entender quem é o homem e para tanto, trata da existência humana desde a Grécia Antiga até a Europa Moderna. 

A vida, o mundo e a pluralidade

Zé Sérgio, como é mais conhecido, propôs aos professores, coordenação e direção do Macu o que ele chamou de uma “aventura intelectual”. Além disso, a leitura coletiva de trechos do livro A Condição Humana, de Hannah Arendt, ele sugeriu que todos/as pensassem juntos sobre alguns de seus principais temas.  E destacou, desta obra, os trechos em que Arendt fala das condições mais gerais de nossa existência, sendo elas: a vida, o mundo e a pluralidade.

A vida, pois somos seres viventes; o mundo, pois o habitamos – e não só a natureza. Já a pluralidade se evidencia por nos relacionarmos não só com o mundo, mas também entre nós. Porém, para Arendt, pluralidade não é sinônimo de diversidade, já que ela se refere à singularidade dos seres. Para a autora, somos uma pluralidade de seres singulares, pois somos seres únicos.

Esses seres singulares que somos imprimem sua existência no mundo. E, para além do trabalho voltado a nossa sobrevivência, dessa maneira almejamos uma forma de imortalidade. Esta se expressa na criação de coisas duráveis, sejam objetos de uso ou de arte. O que ainda resulta em uma permanência que ultrapassa o ciclo vital humano. Ou seja, chegamos a um mundo criado por outros antes de nós e que, portanto, nos precede. Ao mesmo tempo, este mundo nos sucede: continuará existindo depois de nós. 

O que significar ensinar e/ou criar para o mundo?

Dessa maneira, ensinar não é só cuidar do outro, como também preservar o mundo; ensinar é evidenciar o nosso papel na história da humanidade. E isso implica, aos educadores, apresentar o mundo aos “recém-chegados” enquanto uma criação que nos precedeu e sucederá. O que, consequentemente, se aplica às obras de arte, que não têm uma finalidade, mas são dotadas de permanência.

Assim, a arte está fora da lógica de uso, na medida em que tem significação própria. Ela também não é determinada pela propriedade da matéria, mas pela relação que estabelecemos com ela. A arte é, portanto, uma criação humana, reflexo dos tempos e da história. Por isso deve haver um cuidado em relação as artes, no sentido de apresentá-las e apontar suas figurações históricas, significa garantir a durabilidade do próprio mundo criado pelos homens.

Nascemos não para morrer, mas para criar algo novo. Tudo com o que o homem toma contato o condiciona, como a escrita, a televisão, o celular. Mas nunca de forma absoluta, pois interagimos de um modo concreto e único com o mundo. Por isso, todos nós somos seres livres, desde que rompamos com as amarras do passado e do presente.

Dessa maneira, a inventividade está culturalmente arraigada nos seres humanos. Nossa rotina, trabalho, hábitos cotidianos, atrofiam nossa capacidade imaginativa, criativa e ativa.

O teatro, por sua vez, nos faz nascer outras pessoas, e além disso dispostas a nossa habilidade para o novo. E nós, professores, juntamente aos alunos e alunas, vivemos um eterno renascer.

Vivemos o renascer de um semestre, de uma turma, de um coletivo de criação, de nós mesmos e do outro. Esse renascer, enquanto resultado imprescindível do ensinar e/ou criar, é essencial ao mundo e, quando experimentado, não pode ser desfeito! 

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