Eu vou responder a primeira pergunta do nosso Quiz Stanislávski: Como fazer uma personagem tão diferente de mim? Mas qual a melhor maneira de explicar isto? Eu vou começar por algo que sempre penso na minha vida. 

Quando estou no metrô, na rua, quer dizer, quando estou em meio à multidão, eu fico olhando as pessoas. E eu também sempre penso: “Como pode existir tanta gente no mundo e todos serem diferentes uns dos outros?” Porque uma pessoa pode até ser parecida com outra, mas ninguém é igual a ninguém. Esta questão da natureza, de ninguém ser igual a ninguém, é uma coisa que me intriga até hoje.

O que nos difere?

Então eu me pergunto: “O que nos difere uns dos outros?” “O difere os nossos rostos?” E eu cheguei à seguinte conclusão: o que nos difere são os detalhes. É um formato de olho, da boca, é a orelha, o formato do nosso rosto… Eu percebi que nós nos tornamos totalmente diferentes a partir dos detalhes. 

E isso também acontece com a questão do humano. Nós todos somos seres humanos, todos contemos o humano dentro de nós. E o que difere a nossa humanidade são os detalhes, é a nossa formação, visão de mundo… Mas, no fundo, todo mundo é parecido, é humano. Todos somos iguais, mas diferentes.

O teatro e as questões humanas 

O teatro fala das questões humanas, das questões universais. O que interessa na arte não são as particularidades da vida cotidiana, minha, sua ou de qualquer outra pessoa. O que interessa na arte são as questões humanas que me afetam, que afetam você e que afetam todos. Por isso, elas são universais. E a arte, de modo geral, vai refletir sobre estas questões, que nos permeiam ao longo dos tempos.

Neste sentido, nós podemos pensar nos clássicos, que são altamente atuais, como a tragédia grega. Mas por que a tragédia grega, tão antiga, é tão contemporânea? Porque ela fala das questões humanas que, portanto, permeiam o homem independentemente da sua época. Então o que devemos fazer para nos aproximarmos de uma personagem que achamos ser tão diferente de nós mesmos? 

O ator e a personagem 

Podemos pensar, por exemplo, naquele amigo que, quando vimos pela primeira vez, não fomos muito com a cara. Mas, quando nos aproximamos dele, nós falamos: “Ah, até que ele não é tão chato assim.” Depois, quando nos aproximamos ainda mais, chegamos a falar: “Até que ele é legal.” E, quando vamos ver, ele se tornou um grande amigo. 

Isso quer dizer que nós gostamos de tudo que passamos a conhecer, que se aproximar de algo é muito bacana. Pois o amor é construído pela e na convivência. E, por isso, precisamos também aprender a conviver com a obra que estamos trabalhando. Precisamos conhecê-la cada vez mais, fazer dela o nosso livro de cabeceira. Um dia lemos uma página, no dia seguinte, outra, e vamos nos tornando cada vez mais íntimos dela. 

Quanto mais íntimos da obra, mais íntimo da personagem. E, quanto mais conhecemos uma personagem, mais conseguimos nos colocar no lugar dela. Lembrem-se, as personagens são vocês próprios nas Circunstâncias Propostas pela peça. Para isso, vocês precisam contemplar a natureza, a vida e as pessoas.

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