Durante muito tempo, Konstantin Stanislávski, enquanto encenador, foi considerado um representando na tendência naturalista no teatro. Nós, no Macunaíma, porém, procuramos investigar as suas contribuições para a pedagogia teatral e, bem como para a formação do ator. E, dessa forma, acreditamos que as possibilidades de trabalho a partir de seu Sistema ultrapassem qualquer estética pré-concebida.

O mito do Stanislávski naturalista

Em primeiro lugar, Elena Vássina, professora do Curso das Letras Russas da FFLCH-USP, sempre comenta esta questão. Como, por exemplo, no Chá com Stanislávski organizado pelo Macunaíma para o lançamento do Centro Latino-Americano de Pesquisa Stanislávski – CLAPS, realizado em outubro de 2018. Na ocasião, ela fez referência às montagens das quatro principais peças de Tchékhov – A Gaivota, Tio Vânia, As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras. Porém nestas encenações, ela destacou que Stanislávski “criou um novo tipo de linguagem cênica, que era bem impressionista e simbólica, mas não naturalista”.

Sua fala, publicada na 15ª edição do Caderno de Registro Macu, sublinhou que o trabalho de Stanislávski era centrado no “ensemble, nas inter-relações do conjunto”. E como resultado, considerou que Stanislávski teve sim montagens naturalistas, bem como “como diretor, como encenador, trabalhou com estéticas, linguagens, completamente diferentes”. Um exemplo, disso, como cita Elena Vássina, é seu interesse pela Commedia dell’arte e a montagem de “vários espetáculos inspirados em uma estética, digamos, popular”.

Mas o mito do Stanislávski naturalista, conforme ela também comenta, tem seu fundamento histórico. E ele remonta à grande influência exercida pelo encenador francês André Antoine, que alterou completamente a cena teatral e criou o Teatro Livre em Paris. O naturalismo de Antoine, enquanto tendência estética de vanguarda, era seguido por muitos. Porém Stanislávski era um pesquisador e, tal qual, investigou linguagens das mais diversas, sempre com o olhar voltado para a pedagogia teatral.

Stanislávskie a poética do ator contemporâneo

Alinhados ao pensamento de Elena Vássina, nós, do Macunaíma, temos discutido em nossas reuniões pedagógicos, o Sistema Stanislávski em suas múltiplas possibilidades educativas e estéticas. Contudo, lemos e debatemos alguns artigos de Vitor Lemos, que realiza seu pós-doutorado no Centro de Estudos de Teatro na Universidade de Lisboa, Portugal.

Em seus textos, Vitor Lemos reflete sobre as instâncias teatral e performativa, em que o ator é levado a abandonar noções sólidas de identidade de si e da personagem. Contudo, ele aponta como caminho as Ações Físicas de Stanislávski, que se afastou da ficcionalidade para trabalhar com o teatro como acontecimento.

As Ações Físicas, enquanto método de investigação, ensejam o encontro entre o que o ator deseja fazer e o que é levado a fazer. Ou seja, enquanto realiza uma ação, o ator se descobre como agente, na medida em que se constitui por meio dela. Essas ações, ao mesmo tempo, têm como ponto de partida, mas não de chegada, o texto teatral. E este é entendido como um “chamariz”, já que o estudo das circunstâncias da peça visa ativar a imaginação dos atores. 

O papel da imaginação

O papel da imaginação neste processo é então decisivo, pois ela integra e projeta o ator nas circunstâncias. Mas isso implica, para além de seu levantamento ficcional, a criação de condições para que o ator as investigue a partir de si mesmo.  Portanto ainda à importância do estabelecimento de tarefas físicas voltadas para a solução de problemas.

A composição de uma sequência de tarefas, a que chamamos Linha de Ação, é sempre motivada por um desejo, um objetivo. Para alcançar este objetivo, o ator é impulsionado a se colocar em movimento, em ação. E a enfrentar também obstáculos, figurados no(s) outro(s), que ele terá que modificar para conseguir o que almeja.

Essa é a trajetória de uma atuação viva, que pressupõe a relação, comunhão, adaptação, irradiação, o contato entre os atores, objetos, espaço. Se ela parte das Circunstâncias Propostas no texto, seu desenrolar aponta para a transformação da ficção na realidade da criação atoral. Consequentemente em seguida, o trabalho com as Ações Físicas nega o já conhecido, a representação, e possibilita a experimentação, o aprendizado.

Os questionamentos de Elena Vássina e Vitor Lemos sobre a filiação de Stanislávski ao naturalismo têm nos fomentado, enquanto diretores-pedagogos, a pensar e praticar o Sistema. Pois eles reforçam a noção de trabalho do ator sobre si mesmo e, as possibilidades de criação para além do caráter estético. Assim, as descobertas que o teatro proporciona vão além da profissionalização, já que se voltam ao autoconhecimento e a uma nova visão de mundo.

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